A reacção de Luisão durante os festejos do segundo golo do Benfica no ultimo Domingo motivou mais um assunto de discordia entre os benfiquistas. Percorrendo a blogosfera, constatamos que existe quem defenda a atitude do capitão, justificando esta posição na afirmação que tal atitude foi, talvez não a melhor, mas a resposta que todos aqueles, que muito provavelmente passaram o jogo a assobiar e que jà se preparavam para mostrar os lenços brancos, mereciam. Outros afirmam que, por muito compreensivel que seja tal atitude, nunca um capitão do Benfica deve baixar-se a esse nivel, sobretudo quando não se trata da primeira vez (reacção contra o arbitro alemão num jogo da pré-época do ano passado). Estes jusitificam esta opinião afirmando que, enquanto capitão, o Luisão é o mais alto representante do clube dentro do terreno, implicando isto que o clube se rebaixe igualmente com o jogador quando este desvaneia.
Trata-se como disse de mais um episodio nos vàrios que recentemente têm motivado muitas discussões entre benfiquistas e que, quer se queira quer não, demonstram a falta de unidade que existe neste momento no apoio ao clube. Ora, parei uns quantos minutos para pensar sobre as razões desta falta de unidade e cheguei à conclusão que, tal como todas as incompreensões entre seres humanos, esta resulta do facto de existirem diferentes representações sobre o significado mesmo da expressão "apoiar o Benfica". Passo a explicar-me:
O que significa "apoiar o Benfica"
Existem dois tipos de significado atribuidos pelos benfiquistas a esta expressão e que estão na origem da atmosfera de conflito na qual a blogosfera benfiquista se encontra. Por um lado encontram-se aqueles para quem apoiar o clube significa que o adepto não pode criticar. Estes vêem o clube como uma estrutura cujo bom funcionamento depende do respeito pela função que cada elemento da dita estrutura tem. Basicamente, os dirigentes devem dirigir, a equipa técnica deve treinar, os jogadores devem jogar e os adeptos devem apoiar. O pressuposto implicito neste raciocinio é o de que, para a obtenção dos objectivos do clube, todos, dentro da sua função, devem trabalhar no mesmo sentido, concentrar as forças na obtenção do que se pretende.
Do outro lado encontram-se aqueles que pensam que a acção do adepto não se limita ao apoio. O apoio deve existir quando o que està a ser feito em prol do clube é efectivamente benéfico. A acção do adepto não se limita assim a uma relação sentimental com o clube, mas integra igualmente o seu espirito critico, a sua razão. No entender destes, não apenas integra a razão como a exige visto que a base de toda a estrutura são precisamente os adeptos que legitimam ou não a acção dos outros elementos. A liberdade de critica deve ser assim o principio mesmo da relação que o adepto tem com o Benfica.
As razões das diferentes interpretações.
Por que motivo os benfiquistas têm uma opinião diferente sobre o que é apoiar o clube? Na minha opinião tal se deve às diferentes relações que estes têm com o Benfica. Existem dois tipos de adeptos : aqueles cuja relação com o clube é exclusivamente emocional e aqueles que procuram conciliar a emoção com a razão. Não penso que exista quem viva o Benfica, e de uma forma mais geral qualquer clube, de maneira puramente racional. Penso que tal é contradictorio com a essência mesma do futebol. Destes dois tipos de relação com o clube emergem dois tipos de concepção do que é o clube.
Para o adeptos que têm uma relação exclusivamente emocional não existe uma diferença entre o clube e quem o representa. Por outras palavras o clube é quem o representa e isto dos dirigentes aos socios e adeptos. Isto implica uma relação que é finalmente fundada na idolatria. Como assim? Tal como numa religião em que o sagrado não fica no dominio do sagrado mas desce ao profano sacralizando-o, o que implica a confusão entre a divindade e as imagens da divindade, os "adeptos do apoia", como agora são denominados, confundem a sacralidade do clube com a particularidade de quem o representa. Isto faz com que todos aqueles que representam o clube devam ser respeitados e, como Deus, imunes a toda à critica-heresia. O beneficio desta postura encontra-se no facto de mais facilmente conseguir-se a unidade que é condição necessaria para a obtenção dos resultados. Jà o defeito encontra-se no facto de fazer da condição necessaria uma condição suficiente. Se a unidade é essencial ao sucesso, também o é a competência dos elementos de toda a estrutura do Benfica. Não basta, para termos condições objectivas de sucesso, respeitar quem dirige, treina, joga e apoia. Também é necessario que quem dirige, treina, joga e apoia seja efectivamente competente.
Jà os adeptos que tentam conciliar a emoção com a razão, esses adeptos fazem a separação entre o clube e quem o representa. Se os valores do clube são intocaveis, eles pensam que o facto de eles serem representados por pessoas e não por deuses implica que quem representa o clube não està imune ao erro. Neste sentido criticam os benfiquistas que pensam que estão a fazer um serviço ao clube apoiando quem o dirige. Muitas vezes são os "adeptos do apoia" a causa dos males na medida em que, confundindo pessoas e clube, não se dão conta que, com tal apoio, prejudicam o clube em beneficio das pessoas. O beneficio que esta postura dà ao clube é o facto dos adeptos serem igualmente responsavéis pelos destinos do Benfica na medida em que tém como missão fiscalizar as acções de quem o representa. O adepto não se limita então a dizer sim a tudo, não se limita então a dizer "carrega Benfica", mas procura conhecer o clube, lê todos os Relatorios e Contas, segue todas as acções de quem dirige o Benfica e sobretudo aquelas que não passam necessariamente nos jornais. O lado negativo é o facto de muitas vezes serem a causa da desunião dentro do clube. A critica, que ela seja legitima ou não, provoca uma desestabilização na estrutura que não ajuda à obtenção dos objectivos.
nota: a questão não està pois no sentir o Benfica. Todos o sentem mas a relação que uns e outros têm com esse sentimento é que varia. Uns deixam-se inundar por ele, outros tentam concilià-lo com a razão. Neste dois tipos de adeptos não coloco quem assobia e critica no Estadio. Seguindo a minha comparação com a religião, o Estadio é o templo do Benfica e nesse espaço apenas pode existir o apoio pois durante 90 minutos o clube confunde-se efectivamente com todos aqueles que o reprensentam. Por esta razão nem o adepto deve assobiar e protestar, nem o seu capitão deve fazer o que Luisão fez.
E então?
Tentei ser o mais objectivo possivel na minha analise até agora. Neste momento vou tomar posição, a minha, e assim assumir a minha subjectividade. Einstein disse uma vez que apenas existem duas coisas infinitas : a estupidez humana e o Espaço e que sobre este ele não tinha a certeza. Ora estou completamente de acordo. Mas estabeleço uma diferença no interior da estupidez humana: existem aqueles que não têm consciência dela e existem outros que, tendo consciência dela, tentam ultrapassà-la. O adepto que tem uma relação exclusivamente emocional com o clube encontra-se na primeira categoria, o adepto que tenta conciliar emoção e razão na segunda.
Ora, a actual direcção do Benfica vive exclusivamente de e para os "adeptos do apoia". Trata-se de uma estratégia bem eficaz jà que, como em todos os dominios sociais, são mais os que reagem na emoção que aqueles que tentam compreender o que se passa à sua volta antes de tomar uma atitude. Ja Aristoteles dizia que quanto mais simples for um argumento, maior é a sua extensão. Sobretudo se tal argumento for baseado nas emoções. Neste caso a realidade é bastante simples: não existe nuance, apenas existe o bem e o mal, quem apoia incondicionalmente e quem estabelece condições para o apoio, os crentes e os heréticos.
A actual Direcção fez tudo para alimentar a idolatria dos crentes e para eliminar a heresia da critica. O seu Presidente é apresentado como o Salvador, implicando consequentemente que quem o critica queira a destruição do clube. Foram erigidos vàrios monumentos pressupostamente à gloria do clube, mas que são constatemente manipulados para proveito do Salvador e não do clube (o Estadio jà não pertence ao clube, o museu arrisca-se a não receber muitos troféus nos proximos anos). O que o Salvador diz é a verdade eterna, mesmo se ela pode mudar num espaço de dois dias, como acabàmos de ter o exemplo com Vieira a dizer na Sexta-Feira que não aparece nos momentos de vitoria e no Domingo là estava ele na imprensa a comentar o jogo. Mais um exemplo? Tudo neste momento é feito para que o crente tenha que demonstrar a sua crença, tenha que provar que apoia o Benfica. Como? Gastando dinheiro, comprando tudo aquilo de que é inundado constantemente seja pelo facebook seja pelos meios de comunicação diferentes... mas sempre com esta pequena frase que diz tudo "o Benfica és tu"... deixà-lo-as de ser se não gastares....
Por outro lado tudo é feito para eliminar quem utiliza na sua relação com o Benfica não apenas o sentimento mas igualmente a razão. A critica não tem espaço no Benfica actual! Obvio, trata-se de uma heresia. E porque criticar é herético, mesmo quanto se trata de criticas pertinentes, evitam-se debates antes das eleições (o quê? dar a palavra ao mal? devem estar loucos), reduzem-se as intervenções de socios nas Assembleias e quando estes podem falar, o Salvador està concentrado noutras coisas pois, jà se sabe, o que vem de um herético não pode ser benéfico para o clube. Antecipam-se eleições para que o actual Presidente fique no poder: apenas existe uma linha para o Benfica, a do Presidente actual, a Verdade, tudo o resto não é senão fruto desse demonio ainda presente que é o Vale e Azevedo.
Então, mas se a situação muda, ou seja, se Vieira vai embora e aquilo que pensas do Benfica encontre quem o represente dignamente e seja eleito, como é isso possivel se, como tu proprio dizes, a maioria é emotiva e idolatra? Como pode uma concepção do Benfica vencer se ela é minoritària? Não é isso tudo contraditorio? Não!! A maioria que idolatra tem por habito igualmente crucificar! Mas para tal é necessario um choque de tal maneira forte emocionalmente para ter a intuição que finalmente o herético é quem o guia. Infelizmente esse choque emocional so chega com a desgraça do clube. Os sportinguistas deram-nos um bom exemplo disso ao mudar de rumo apenas quando o pior ano da sua historia, quer ao nivel desportivo quer ou nivel financeiro, aconteceu. A unica coisa que eu posso desejar, e aqui encontra-se a minha fé pois a minha razão diz-me o contrario, é que a desgraça não aconteça, e a desgraça num clube como o Benfica é a satisfacção por sermos o que somos actualmente : um clube que ganha 3 titulos nacionais em 20 anos.
Estou em desacordo com muitas coisas nesta actual Direcção e em acordo com poucas. Contudo existe algo que me faz ter a convicção que nunca, por mais sucessos desportivos (improvaveis) que tenhamos, mas nunca a apoiarei e que me farà ser sempre da oposição : o facto, FACTO, de esta direcção ter destruido o principio fundamental, o valor sobre o qual o Benfica sempre evoluiu, ou seja a Liberdade. Durante o periodo fascista o Benfica foi a unica instituição que teve eleições democraticas, foi a unica instituição que fez assim da diferença de opinião o motor mesmo do seu desenvolvimento. Foi o Benfica que foi inaugurar o Estadio da Antas a 28 de Maio, num acontecimento para festejar o aniversàrio da revolução militar que instaurou o regime fascista, derrontando o Porto e assim o regime. Ao contrario deste clube, o Benfica nunca teve como presidente um deputado fascista, tendo mesmo sido perseguido pelo benfiquismo de muitos historicos anti-fascistas, pelo seu hino e mesmo pela sua côr. E neste momento tudo é feito, seja institucionalmente seja pela atmosfera criada em que uma critica é logo alvo da acusação de anti-benfiquismo, para eliminar esta Liberdade que durante décadas o nosso clube representou. Abrir a mão desta Liberdade por alguns titulos é vender a alma benfiquista e faz com que não sejamos em nada melhores que os portistas que pensam que os titulos justicam a corrupção.